"Nossa morte é sorridente. Essa é a primeira característica que a diferencia dos outros cultos aos mortos que acompanham culturas e civilizações. Nós, mexicanos, crescemos com a palavra morte na ponta da língua e a chamamos com apelidos carinhosos: a "flaca" (magra), a "calaca" (esqueleto), a "huesuda", a "dientona" (cheia de ossos e de dentes), a "pelona" (careca)...
Nos próximos dias, os caminhos entre as casas e os cemitérios do México estarão cheios de vida para receber nossos amorosos mortos. Na noite de 31, as crianças mortas vão chegar para brincar e comer até o meio-dia do dia 1. Depois, é a hora. Tudo é duplo:vida e morte, paixão e amor (quem falou que o amor é mais forte que a morte e a paixão mais cruel que o sepulcro?), euforia e nostalgia, nostalgia do porvir irremediável.
Uma oferenda igual em casa àquela que será levada ao cemitério. Estão chegando os que nos forjaram. Deles herdamos caráter, experiência, sabedoria. Nos reconhecemos em jeitos, palavras, comentários que eram próprios deles.
Fazer uma oferenda leva tempo, mas ninguém tem pressa nessa noite longa, do marulho musical da luz das velas para que o ausente não se extravie, que volte sem se perder, sem desviar seus passos; e o cheiro surdo do copal propaga-se nessas horas do amor intrépdo, do amor total, daquele que não conhece cautela. A morte sabe amar de outro jeito?
Na distância conforta saber que 80 milhões de mexicanos esperam por seus mortos. Eles estão voltando à casa desse mundo paralelo onde a morte é igualzinha à vida, só que muito mais divertida; é só olhar o rosto de nossas caveiras sorridentes e sonhadoras. E eles vêm para compartilhar mais uma vez a vida conosco, que vivemos mortos de saudade deles. (Acaso a mesa servida tem outro significado que não seja vida?)
Pai, mãe, amigos, minha casa, que é sua, está pronta. Dizem que amar é morrer um pouco, morrer e amar, horas de confidências e intimidades sem limite. Corpos e corações se abrem, a morte anda soltinha e apostamos de novo na vida feroz, na fome e na paixão."
Lourdes Hernandez
Lourdes Hernandez
Reza a crença, diz a lenda que os mortos têm permissão divina para visitar parentes e amigos uma vez por ano. Na época de Finados os mexicanos recebem com humor, açúcar, altares e bandeirolas feitas à mão as almas que já partiram. Alimentos são especialmente preparados, velas, incensos, a morte é vivida em festa, o céu e os entes queridos voltam com permissão para o reencontro.
Em Xcaret há um cemitério que permite ao visitante inteirar-se da cultura mexicana diante da morte, da forma íntima, cotidiana, natural com que é encarada. Ler os epitáfios enquanto se caminha por uma espiral sugere outro jeito de conviver e suportar a perda. Há uma decoração personalizada, bem humorada, sem morbidez, versos divertidos, epitáfios jocosos, cores e fitas, numa rota de grandeza e mistério e sobretudo simplicidade e naturalidade em que a vida abraça a morte.
Epitáfios neste Cementerio mexicano del pueblo maia :
"Aqui yase mi esposa, tan fria como siempre"
"Señor recíbela con la misma alegria con la que yo te la envío"
"Y yo que me creía el rey de todo el mundo"
"Con amor de todos tus hijos (menos Ricardo que no dio nada) que Dios te bendiga mamá"
"Aqui descansa contra su voluntad"
"Si las almas hablaran... las nuestras dirían cosas de enamorados"
"Fue buen padre, buen plomero, y mal electricista"
"Era una persona tan recta que merecia ser enterrada de pie"
Outro jeito de experienciar a morte. Sem dramas. De forma íntima e natural. Em paz.
Nos dizeres de Octávio Paz: " A morte não nos assusta, porque a vida já nos curou dos medos."
Um comentário:
delicia de post ana. tenho uma blusa mexicana igual a sua rsrsrs. bjks
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