segunda-feira, 23 de maio de 2011

FONTANA DI TREVI


Me valerei do texto de Fabrício Carpinejar, em seu divertido livro Borralheiro.

"É achar uma fonte e pretendo viciá-la em desejos. Intoxicá-la de promessas. Chantageá-la com meus pedidos absurdos. Eu me transformei num traficante de milagres, num aliciador de degraus e lajes.

Não tenho pudor. Às vezes, cometo gafes e despejo a niqueleira em santuários de Nossa Senhora ou em piscinas de plástico. Qualquer água parada é motivo para depositar os centavos. Persigo os tanques como um Aedes aegypti da superstição.

Assim como crianças gostam de lançar farelos de pão aos patos, jogo moedas aos meus sonhos.Todo lugar é Roma, todo aquário de pedra é Fontana di Trevi. É uma fixação messiânica. Os guardadores de carro que me perdoem, mas não nutro simpatia pela superfície, deixo as economias para as profundezas e os ralos; os santos têm que mergulhar, abrir os mariscos de metais, lustrar efígies.



Minhas orações pedem hidromassagem. Não me atraem velas e candelabros, cera e fumaça, mas espuma, cheiro de cloro, limo.
Não controlo a compulsão. É meu bingo aquático. Meu porquinho flutuante.

Não sou nem um pouco exigente. Já ataquei fontes de hotel, de praça pública, de loja de móveis, cascatas de motel. Pode ser um poço artesiano, não faço cerimônia para rezar.

A água é o único mendigo em que confio. Não penso muito. Não reparo se é uma escultura de artista reconhecido ou se é um dormitório de tartarugas quase extintas, escolho a maior moeda, viro, fecho os olhos e arremesso. Ao escutar um baque seco, percebo que errei a pontaria. Não recolho a mesma moeda; o pedido sairá ao contrário, azar na certa, preciso usar outra e outra até acertar o alvo. E me acalmo com o splash na espuma. Dou três meses para a realização da prece - costuma ser mais rápido que o Procon.

Decidi partilhar o segredo com minha namorada. Jurei que Cínthia ficaria sensibilizada. Estávamos numa pousada em Gramado, era domingo, friozinho,  a luz com a boina da neblina, uma atmosfera absolutamente romântica; enxerguei uma fonte entre as pedras, ri daquele anjo condenado a uma eterna cusparada, mas me concentrei na confissão.

Aproximei-me de seus ouvidos:
_ Vamos jogar uma moeda na fonte.
_ O quê?
_ Fazer um pedido de amor?
_ Isso não é uma fonte de desejos.
_ É que ninguém  ainda descobriu o poder religioso desse ponto.
_ Para de fiasco.
_ Quando a gente iniciar a prática, outros verão a moeda no fundo e seguirão jogando, e logo teremos uma romaria de fiéis. O destino da fé é virar ponto turístico.
_ Mas há peixes ali?
_ Não vamos machucar, eles fogem dos objetos, são espertos.
_ Não, não é justo.
_ Tenta, por favor, por mim...

Diante da implicância, Cínthia se posiciona e joga de costas uma moeda de R$ 1. Apostou bem alto em nossa longevidade amorosa. Numa casa espaçosa, com quintal e varandas. Numa lua de mel nas Ilhas Gregas.

Corro para ver onde caiu. Não digo pra ela. Um peixinho dourado engoliu nosso casamento."


AS COISA QUE REALMENTE VALEM NA VIDA CUSTAM POUCO
por Ana


Gosto das coisas que nos redimem, acredito em fontes onde se depositam desejos. Confio em tudo que é feito com convicção. Aperta-se os olhos e ... moeda e desejos voam ao ar com a leveza que só as coisas simples e puras têm.  Gosto desse simbolismo onde é postado e apostado que sabemos o que queremos, temos como pagar e basta o arremesso. Por isso que as fontes atraem as crianças, seus recursos e seus meios ainda não estão suspensos pelas imposições da vida, por isso que arremetem a si e a seus pertences com uma profusão de força de quem tem muito o que lançar, em incansáveis e intermináveis vezes porque sabem que sua mãe ou qualquer que seja sua fonte responderá a isso.

As coisas que realmente valem na vida custam pouco, aliás, nem preço têm. Por que foi que esquecemos disto? Em que momento paramos de arremessar nossos desejos mais puros?  Em que momento paramos de desejar? Em que momento paramos? Em que momento? Em? Que?

Hoje circulamos com moedas erradas ou lançamo-as em fontes erradas, acreditando que o desejo tem que crescer com a idade encarecemos também nossas necessidades. Pequenas moedas não compram mesmo minha almejada bolsa Gucci sequer seriam aceitas pelo manobrista da loja caso eu insistisse em lançá-las da porta mesmo, tamanha a força da minha vontade. Mas experimente dar a moeda a uma criança e veja tudo que ela consegue retirar da fonte.



Coisas simples é que são caras, no Canadá com poucas moedinhas Ju correu feliz em direção a um desconhecido que bem vestido, aguardava em tapete vermelho quem se dispusesse a ler e cumprir a inscrição de sua placa: Free Hugs (abraços grátis). Voltou correndo deste solene encontro com flores na mão que ela guarda até hoje. Somos também nós estátuas humanas a procura de free hugs, mas adultos nos envergonhamos de carregar as placas de sinalização então seguimos, estátuas a procura da transparência que nos faria percebidos em nossos desejos.

Lembro de ser acordada por Ju numa noite em que um pesadelo despertou-a com um grito que dimensionava seu porte, encontrei-a sentada na cama disposta a me contar todas as ameaças que teve que enfrentar com tão pouca idade, morta de sono não me ocorreu de salvar-lhe com palavras e explicações peguei seu travesseiro e disse a ela: Isso aconteceu porque seu travesseiro estava virado do lado errado, do lado dos pesadelos, o lado dos sonhos é esse. Virei-o com convicção de quem sabe o que está dizendo e ela, satisfeita com minha prontidão afofou seu travesseiro e imediatamente se entregou aos  sonhos. Voltei sonâmbula à meu quarto, mas ainda tive tempo de também eu, desvirar o meu travesseiro. Simples e à mão, basta virar. Vire-se.

Adoro as crianças. Adoro suas verdades. Adoro seus sonhos.

No mundo simples do desejo as coisas valem o que você tem para dar. Dentes são trocados por moedas, lâmpadas se bem esfregadas rendem três pedidos, periquitinhos tem nossa sorte na ponta do bico bastando algumas parcas moedas e um bom realejo. Com pequenas moedas também movemos estátuas humanas.

É por isso que sugiro: na próxima vez em que viajar por aí leve algumas moedas no bolso e procure a fonte!

Um comentário:

Renata disse...

Adorei Ana!! Seus textos são ótimos!! bj