quinta-feira, 19 de maio de 2011

MINHA VIAGEM É PELA CASA

Particularmente gosto do conforto, como boa canceriana só saio de casa arrastada ou por um justo motivo. Estou bem onde conheço. Onde me sinto em casa. Aprecio detalhes. Gosto de estratégias: vasinhos de flores recém colhidas mostram que alguém esteve lá, alguém cuida. Gosto de histórias e gosto de lugares que tenham histórias. Fumaças saindo de chaminés, cheiro de lenha queimando indicam, de novo, que alguém está lá, zelando. Posso estar equivocada mas para mim o belo e o bom caminham com afinidade. Comungam uma promessa de felicidade.

Conforto se encontra na simplicidade e na excentricidade, confesso que adoro qualquer um de seus leques, já fiquei em hotéis onde se era possível escolher a carta de travesseiros, já fui surpreendida na porta de um chalé, numa tarde em que chovia cântaros, por um guarda-chuva enorme, delicadamente acostado na esquadria da porta, antecipando-se, a mim e a meu problema como só ocorre às mães e aos anjos. Na exata prontidão diante dos nossos desejos e pensamentos.  E, satisfazendo por completo a máxima que em casa, assim como em hotéis, eu  realmente aprecio: "Dê aos seus hóspedes o que eles nem sabem que querem."

Me ocorre uma excentricidade que uma vez li, anotei mas vou ficar devendo a fonte, usarei para ressaltar o primor de lugares únicos, de inigualável luxúria capazes de inebriar. Eles existem ... :"E diz a lenda que, se por acaso um hóspede dos Rothschild em seu château na França, dormisse com o braço para fora da cama, amanhecia com as unhas feitas.".


É isso há lugares de onde se foge e outros pra onde se corre. Importante fugir do primeiro, se beneficiar do segundo e aprender com ambos. Como contraponto coloco um texto extraído do humor afinadíssimo de Fabrício Carpinejar, em seu novo livro Borralheiro.

"Aceito a caretice. Extraviei o ânimo para camping. Nada mais desalentador do que espiar o dia por um zíper. Numa oca de pano. Acordar agachado e seguir com a impressão de que fui abandonado toda a noite num porão. As costas reclamando da proximidade com a terra e a boca protestando pelo café morno.

Gastei a juventude procurando Woodstock. E só encontrei a lama.

Acampar é trabalhar o dobro para evitar trabalho. O que se desperdiça na preparação e na antecipação dos problemas nunca será recompensado durante a estada.

É aguentar a falta de água quente, conviver em filas de banheiro, rir de piadas sem graça para arrebatar a cumplicidade de estranhos e eliminar o medo de que algum deles seja um psicopata. Nem acredito que percorri duzentos metros com um rolo de papel higiênico nas mãos, com cara de Sonrisal, cumprimentando as pessoas para despistar a necessidade.

Não me contento com a precariedade de festejar uma tomada ou uma lixeira.

Larguei o movimento estudantil na primeira excursão. Desertei de um Congresso do DCE. Já tinha pavor de pedir carona, sofri com a idéia de mendigar um colchonete.

Não lembro nenhum amigo descrevendo experiências prazerosas. O hábito é expor tragédias. Os mochileiros ajudam meus argumentos. Cometem o elogio do masoquismo e das privações. Talvez seja uma mania preventiva, arrumar histórias de superação na adolescência para se vangloriar na velhice.

Soa como miragem. É o mesmo que dizer que é inesquecível transar na areia da praia. Isso é para quem não conhece o Nordestão da orla gaúcha.

Acampamento é um internato voluntário, um serviço militar opcional. Armar barraca, carregar mochila com tudo socado, caminhar oito quilômetros, subir nas pedras, lascar os joelhos, para morrer de frio no topo do monte. Uma hora de caminhada para cinco minutos exclamando o pôr do sol e se convencendo de que a vida é linda perto da natureza.

Sou viciado em janelas, gavetas, guarda-roupa, travesseiros. Minha aventura é mexer nos botões do controle remoto. Procuro o conforto, não o luxo, a quietude das coisas em seu lugar, uma toalha de renda e um vaso de flores me dizendo onde é o centro da casa. Uma sala cheirando a livros e um quarto impregnado do aroma feminino.

Já sobrevivi a enchentes em Santa Catarina, já madruguei inchado de mosquitos em Mato Grosso, já perdi metade dos objetos e aparelhos por distração em Alagoas.

Não venha alegar que me acomodei; é gosto pessoal desde que minha avó colocou bolsa de água quente debaixo das cobertas na infância. Prefiro um quarto aquecido, uma cama fofa, e me recuso a dormir ao relento, observando as estrelas. O romantismo morreu de pneumonia.

As viagens não me ensinaram a partir, apertaram a saudade e a vocação para voltar.

Não tomei jeito, não fiquei econômico. Não aprendi a fazer uma mala compacta e escolher o que devo levar de essencial e dispensar o que não será usado. Ela está cada vez maior. Com o superficial mesmo. Transbordando inutilidades. Pago excesso de bagagem, mas estou sempre previnido para o sequestro. Desejo contar com várias opções de roupas para acompanhar a mudança do humor. Vá lá que esteja amarelo e tenha somente verde, vá que desperte vermelho e tenha somente branco. Há dias em que sou demônio; outros dias, pai de santo. Continuo sendo o mais lento no detector de metal. Não deixo de botar o cinto porque ele vai apitar. A cintura está amarradaem minhas convivções.

A única barraca que entro é a do meu filho debaixo da mesa."

5 comentários:

Dê disse...

Ameiiiiiiiii!!!!!!!!! Mas ainda prefiro deixar o excesso de malas para a volta.. kkkkk

Ieda disse...

linduuuuuuuuuu! adoro conforto, mas minha vida de viajante começou em pernoites em casa da parentaiada japa em sítios, granjas e afins... eu me acostumei a travel light, comer quando dá e encarar cada viagem como a vida em miniatura... beijos!!!!!

Rachel Marques Ferreira disse...

adorei a parte sobre o camping! É essa mesma a minha sensação!

Anônimo disse...

Tenho ficado emcionada com os seus textos. Que forma mais linda de escrever o que está inscrito em vc... Tô gostado muito!!

Carmen Lúcia.Prazer de Escrever disse...

Ana!Adorei seu texto,digno de uma grande escritora.Que Deus nos permita sempre podermos expor nossas escritas em forma de palavras,com graça e simpatia,exalando o perfume das flores,transformando no poeta,o mergulho da alma e do sentimento!

bjos
Carmen Lúcia - 25/03/2012